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Poesia do vale do Silêncio! - Y. Oak.





Silêncio. Silêncio. Silêncio.
Quieto, muito quieto.
Fazia frio e eu nem me lembrava mais como era o calor do sol.
E der repente algo mudou...
Por entre as sombras do Vale do Silêncio eis que surge a figura do Amor.
Envolto em centenas de estrelas.  
Banhado por mil e um raios lunares.
Aquecido por milhões de orações silenciosas.
Ele caminha até mim.
Sorri.
Seus dentes cintilam como se fossem fractais da própria luz Celestial.
Se aproxima.
Estende a mão.
Eu a pego, aflita.
Sinto seu toque protetor, envolvendo cada pedacinho do meu ser.
Ele se aproxima mais...
Me abraça.
Me aquece.
Me acalma.
Me leva pra longe do mal.
Me tira da escuridão.
Me protege.
Me acalenta.
Me faz sentir verdadeiramente em paz em um trilhão de anos.
Meu anjo, meu Doutor, meu salvador. 
Em instantes retornamos à velha cabine policia azul-desbotado. 
Nossa, nada mudou...
Até aquele cheiro de baunilha com um toque de canela.
O mesmo cheiro, o mesmo barulho calmante, o mesmo Doutor.
O meu Doutor.
Ah, como senti sua falta.
Senti falta de tudo relacionado à você.
Senti falta do seu humor.
Senti falta da sua voz.
Senti falta do seu fés empoeirado.
Senti falta da velha gravata borboleta.
Engraçado, em trilhões de anos eu não me esqueci dela.
Me esqueci de tantas outras coisas sobre você...
Coisas que nunca poderia ter esquecido.
Mas não me esqueci da gravata borboleta.
E da sua voz dizendo: 'Gravatas borboletas são legais.'
Sim, elas são legais.
E combinam com você.
Com esse novo você.
O mesmo Doutor de sempre.
Meu Doutor, somente meu.
Ah, que saudades senti de ti, meu maltrapilho...
Desse seu desejo incontrolável por tirinhas de peixe com creme.
Dessa sua loucura por eras medievais e por moças com saias rodadas.
Desse seu imutável ar de 'Está tudo bem bem. Confie em mim.'
E eu confiei.
E confiarei para sempre.
Mas esse não é o momento para recordar...
Temos que partir, sair da escuridão.
O Vale do Silêncio é um lugar muito perigoso, triste e vazio.
Quem entra nesse lugar por vontade própria ou por que se perdeu ou por que foi enviado para cá por acaso (como eu), depois de alguns séculos, começa a se esquecer de tudo.
Da música...
Do canto dos pássaros...
Da voz do seu amor...
De completamente tudo!
A pessoa condenada a ficar aqui por toda a eternidade fica fadada a viver em um mundo oco, sem emoção e beleza.
Sem harmonia.
Sem ritmo.
Sem nenhuma melodia. 
Quem se perde por esse vale esquece de tudo e de todos.
Esquece a família...
Esquece os amigos...
Esquece o grande amor...
Esquece, simplesmente esquece.
Mas acho que tive sorte, meu bem.
Não esqueci de você. 
E acho que não se esqueceu de mim também!
Você veio me buscar!
Você veio me salvar!
Eu ouvi você na noite passada ou no século passado.
Ouvi sua voz, como num sussurro...
Ela dizia: 'Não tenha medo voz dos meus sonhos, eu estou indo. Eu estou indo!'
E você veio...
E veio sorrindo...
E trouxe consigo a luz!
A luz que faltava em mim!!
'Eu achei você!' - Ele me disse quando me abraçou forte, muito forte. Saudades desse abraço. 
'Eu sabia que você iria me encontrar, você sempre me encontra!' - Sussurrei.
'Sempre.' - Ele me olha nos olhos. Eu sinto seu amor.
Pela primeira vez o Doutor pode amar...
Na verdade não pode, mas quer.
Seu amor me salvou.
Meu amor também o salvará, na hora certa.
Mas ele ainda não sabe disso...
Mas agora, vamos partir!
Vamos desbravar juntos as galáxias do Universo!
Ele disse que vai me levar para casa, mas minha casa é onde ele estiver.
'Minha casa é onde você está' - Digo enquanto caminhamos em direção à velha cabine azul. 
'Então, quero te levar para um lugar especial' - Sorriu.
'Qualquer lugar que seja, se você estiver comigo, eu serei feliz!' - Eu sorri chorando.
Ele tomou minhas mãos para si.
Ah, sutil contato de amantes apaixonados...
Por quanto tempo esperei por isso?!!
'Quero te ouvir cantar, como nos meus sonhos.' - Ele disse depois que entramos.
Sorri envergonhada.
O Doutor já havia me contado...
Me contado como 'me conheceu'.
Ele disse que me viu em um sonho.
Não sabia que ele podia sonhar, nem ele sabia.
Mas ele podia. 
E sonhou comigo.
Sonhou com minha voz.
Me contou que, em seus sonhos (na verdade, sempre o mesmo sonho) eu cantava uma canção para ele.
Ele me disse que minha voz o tirou da escuridão.
Não consigo me imaginar salvando o Doutor...
Afinal, é sempre ele que me salva!
Mesmo achando impossível que alguém tão insignificante como eu pudesse salvá-lo, eu cantaria para ele.
Cantaria para ele por toda a eternidade se assim ele quisesse!
'Te levarei à Lua das Sete Faces, lá é o melhor lugar para se cantar uma canção. Além do que a vista é incrível!' - Falou um Doutor animado e cheio de sorrisos.
Vamos TARDIS, vamos para longe.
Para onde? Não importa.
Contanto que eu tenha o meu Doutor comigo...
Posso cantar em qualquer lugar do mundo!
O delicioso e estridente barulho da velha caixa azul soa.
Forte.
Imutável.
Ah, o som do lar, aconchego.
Depois de um salto no hiperespaço, um solavanco e lá estamos nós.
Ele abre a porta e me pega pelas mãos. 
Caminhamos para o desconhecido.
Suas mãos entrelaçadas nas minhas, o maior gesto de amor já visto no mundo.

Caminhamos pelo terreno rochoso e depois de descermos um monte avisto algo que parece celestial, e na verdade é.
Uma bela construção em mármore retrata um daqueles antigos anfiteatros da época romana, com bancos de pedra e um palco liso e reluzente.
Corremos em direção ao monumento.

Ele me coloca no centro do palco e senta-se na primeira fileira.
'Cante para mim, cante sua canção!' - ele pede, mesmo não precisando.
Eu cantaria para ele todas as canções do mundo se ele quisesse.
Tomo uma lufada de ar.
Fecho meus olhos.
Concentro-me em meus sentidos.
Abro os olhos e o vejo em frente à mim.
Muito próximo.
Seus olhos conversam com os meus.
Eles me pedem para cantar, quase imploram.
E eu canto.
Canto a canção que o trouxe à mim pela primeira vez.
Canto a canção que o fez dormir em noites de aflição.
Canto a canção que se tornou a nossa canção.
Canto a canção dos seus sonhos.
E o Doutor sorri.
E eu sorrio.
E o Universo sorri.
Cada estrela, planeta e nebulosa parece celebrar esse nosso amor.
Nosso impossível e belo amor.
Mas a felicidade parece não querer durar...
Eu paro de cantar quando o vejo chorar.
Suas lágrimas mais parecem pequenas partes de um sol maior.
Pergunto o que houve.
E ele diz: 'Você!'.
E ele me toma em seus braços e me abraça forte.
E eu o abraço forte.
E nós nos abraçamos forte.
E o Universo nos abraça forte.
Tudo para.
Parece que, pela primeira vez, o tempo passa em seu caminhar original.
Os segundos passavam como passam na Terra, os minutos também seguem seu curso habitual.
E der repente, a bela e calma Lua das Sete Faces se escureceu, uma nova figura aparece.
Uma mulher de roupas negras, cabelos em cachos loiros na altura dos ombros e lábios pintados de vermelho surge no meio das sombras.
'Hello sweetie!' ela diz, sorrindo e se aproximando do meu Doutor.
Ele não se vira. 
Apenas aperta os olhos bem fechados.
'Por que você veio? Para estragar tudo? Mais uma vez?'  ele quase grita.
E nesse momento eu sinto medo.
Algo estava errado, eu podia sentir.
Sentia que estava perdendo meu Doutor.
Mais uma vez.
De novo.
Novamente.
Outra vez...
Ele voltou a chorar.
Céus, como isso doía.
Ver meu adorado maltrapilho assim destruía meu coração.
'Você sabia que eu viria... Me perdoe, não pude evitar!'  ela disse com pesar na voz, e eu pude perceber que ela estava sendo sincera.
'Por que? Por que...' ele disse enxugando as lágrimas com brutalidade.
'Sinto muito. Está na hora. Perdoe-me por lhe trazer mais essa dor, mas é preciso.'  ela disse voltando-se para mim.
'O que está havendo?' perguntei desesperada, começando a chorar.
'Não se preocupe, eu sempre vou te achar. Não importa onde você esteja. Eu vou sempre, sempre, sempre te encontrar!' ele falou me puxando pelas mãos para seus abraço.
'Por favor não me deixe!' sussurrei com a voz embargada do choro.
'Eu nunca te deixarei. Nunca.' ele sussurrou em meu ouvido, me abraçando ainda mais fortemente.
Sua voz estava fraca, ele sofria.
Aos poucos, com facadas em seus dois corações, ele se afastou de mim.
Agora, a única coisa que nos unia eram minhas mãos que se recusavam a soltar as dele, que também relutavam em se afastar de mim.
Mas ele teve que ser forte.
Por nós dois. 
Ele se afastou até que minhas mãos ficassem sozinhas, flutuando no espaço à minha frente.
'Me perdoe!'  ele disse em uma lágrima cristalina. 
Ele deu às costas e seguiu a mulher loira, a seguiu para longe de mim.
'Não me esqueça...'  foi tudo o que minha voz fraca conseguiu sussurrar para ele.
Isso o fez parar, ele estava longe, mas pode me ouvir.
Ele ouviu o que eu disse e mesmo tão distante, pude ver seu corpo tremer.
Ele olhou para a mulher loira que assentiu com a cabeça, sorrindo fracamente.
Esperei quieta.
Ele se virou para mim.
Seus olhos esverdeados eram pura dor.
Por um instante temi por sua reação. 
Para minha surpresa e completa alegria, ele correu em minha direção e se lançou contra meu corpo, me abraçando fortemente e me levantando no ar.
Sorri, agradecendo àquela estranha, por deixá-lo me dar um ultimo abraço.
Um ultimo abraço... Isso não podia estar acontecendo!
Nós não merecíamos isso depois de tanto tempo separados. 
Ele me colocou no chão depois de maravilhosos instantes.
Ele me olhou fundo nos olhos e segurou meu rosto.
Aos poucos foi se aproximando.
Mais e mais...
Eu podia sentir seu hálito almiscarado.
Sua respiração em meu rosto.
Num instante nos olhávamos nos olhos.
No outro ele unia seus lábios aos meus.
Estávamos nos beijando!
Estávamos nos beijando!
Estávamos nos beijando de verdade!
Estávamos nos beijando e não era um sonho!
Estávamos nos beijando e eu não estava dormindo!
Estava acordada, estava viva!
Me sentia inteira, completamente plena e feliz!
Seus lábios, tímidos apenas tocavam os meus com extrema suavidade e cautela.
Coloquei minhas mãos ao redor de seu pescoço e ele envolveu-me em seu abraço protetor.
Fiz meus lábios se colarem aos dele, por completo.
Agora, nossos lábios estavam verdadeiramente unidos, não era tão suave e temeroso.
Eu podia sentir o toque macio de seus lábios.
Lábios maravilhosos!
Ah, por quantos séculos esperei por um beijo como esse?!
Por quanto tempo esperei por esse beijo, pelo seu beijo!
Ele parecia mais seguro e menos tenso pois moveu levemente os lábios.
Senti seu gosto, me embebedei daquela esplêndida sensação.
Ficamos assim por tempo indeterminado.
Poderiam ser segundos, minutos, horas, meses, anos, séculos.
Não sei ao certo.
Só sei que foi o melhor, mais maravilhoso, mais perfeito e mais puro momento de toda a minha insignificante existência.
Mas cedo de mais acabou, cedo de mais se perdeu nas loucuras do tempo.
Ele se afastou um pouco de mim, mas eu não me movi.
Mantive meus olhos fechados, os lábios entreabertos, o coração batendo descompassado.
Não queria acordar daquele sonho.
Abri os olhos vagarosamente.
Encontrei-o me fitando.
Já não chorava mais.
Trazia agora um sorriso nos olhos e um brilhos nos lábios vermelhos.
'Eu te amo!' ele disse baixinho, só para mim ouvir.
Eu sorri largamente e fechei de novo os olhos.
'Por favor repita. Repita isso pra mim. Por favor, eu preciso ter certeza de que não é um sonho!' falei baixinho.
Ele não repetiu.
Ao invés disso ele me beijou de novo, e de novo, e de novo, e de novo.
Beijou todo meu rosto: testa, olhos, nariz, bochechas, lábios, queixo.
Deixou em mim rastros de calor, de amor, de paz...
Em meio às minhas risadas e às dele, ele se afastou.
Abri meus olhos e fitei-o.
'Me prometa, prometa que não se esquecerá de mim! Promete?' ele perguntou.
'Seria impossível te esquecer...' falei, tocando seu rosto.
'Eu amo você! Acho que é assim que se diz na Terra..' ele parecia confuso.
Ri de seu jeito de menino.
Como eu amava esse jeitinho nele...
Sua inocência e astúcia.
Sua curiosidade e fascínio pelas coisas da Terra. 
'Hora de ir sweetie.' falou a loira.
Meu coração doeu.
Pude sentir que os corações dele também doíam.
'Não me esqueça. Eu vou voltar. Eu vou voltar por você!' disse me olhando docemente.
'Eu te amo. Mais do que tudo no Universo!' falei abraçando-o, sentindo as lágrimas molharem meu rosto. 
Se afastando de mim, ele seguiu a mulher loira que o esperava com a mão estendida.
Já muito distante ele se virou para mim.
'Corra garota que amou e não perca a esperança!' - ele gritou para mim.
'Corra homem maltrapilho e não se esqueça do amor!' - gritei para ele.
'Não me esquecerei de você, nunca!' - ele disse para mim e isso me trouxe um milésimo de paz.
Aos poucos ele se afastou mais e mais e com um clarão, desapareceu em frente aos meus olhos.
No momento seguinte, uma lufada de vento frio atingiu meu corpo e me lançou para longe.
Bati com a cabeça em algo que me fez desmaiar.
Despertei algum tempo depois e me deparei com minha nova triste realidade.
Eu estava de volta ao escuro, frio e sombrio Vale do Silêncio.
Gritei em desespero e ouvi minha voz se perder no vazio.
As sombras voltaram a me envolver.
Novamente, eu estava sozinha.
A saudade assolou meu coração.
Minha alma voltou a sentir a mesma tristeza.
Eu perdi meu maltrapilho.
Perdi meu Doutor.
Perdi meu amor.
Mas eu não desistiria dele.
Eu lutaria por ele.
Lutaria por ele até o fim.
Por ele, eu seria capaz de ir até o início da criação, apenas para vê-lo sorrir.
Por que eu o amo.
E o meu amor o salvará.
Na hora certa.

'Doutor, estou à caminho!' sussurrei sorrindo.

'Estou te esperando, minha salvação!' - o vento me trouxe sua voz.
Eu o encontraria, sempre!  ❤️

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